João Barone
Da Glória ao Esquecimento...

20 de janeiro de 2010

O vôo de Rudolph Hess

Especulações a respeito da verdade por trás do vôo do vice-führer alemão para a Inglaterra, em maio de 1941.
A Batalha da Inglaterra é lembrada até hoje como "o mais belo momento" da nação, uma época de sacrifícios e heroísmo. Em dez de maio de 1941 as bombas da Luftwaffe causaram grande destruição no coração de Londres. Naquela mesma noite um solitário piloto alemão penetrou as defesas costeiras da Inglaterra e se lançou de pára-quedas, caindo próximo à propriedade do duque de Hamilton em Lanarkshire, na Escócia.

Um fazendeiro escocês encontrou o piloto sofrendo com um tornozelo torcido, e armado com um garfo para feno, o tomou sob guarda. O piloto disse apenas que estava "em missão especial" e precisava encontrar o duque.

O duque chegou às 10 da manhã do dia seguinte. Falando em inglês, o piloto disse a Hamilton que Hitler desejava dar um fim à guerra; sua missão, ao voar à Grã-Bretanha, era tentar entabular conversações de paz com Hamilton e outros ingleses simpatizantes da idéia. O piloto se identificou para Hamilton: era Rudolf Hess, o vice-führer do Reich alemão.

Como era de se esperar, o vôo de Hess foi assunto de manchetes sensacionais pelo mundo afora. Hess era chefe do partido Nazista, praticamente co-autor do Mein Kampf e membro do círculo mais íntimo de Hitler. O curioso é que as reações oficiais que logo se seguiram, tanto em Berlim quanto em Londres, foram praticamente idênticas: Hess era um louco, embora talvez um pouco idealista. Como poderia ter agido por conta própria, sem o conhecimento nem o apoio de Hitler, ou de Churchill, ou de qualquer outro responsável nos dois governos?

No início muitas pessoas duvidaram da versão oficial de que Hess agira sozinho. Algumas acreditavam que Hitler enviara seu velho amigo e parceiro para fazer a paz com a Inglaterra, talvez com o intuito de lançar todos os seus exércitos contra a Rússia. Outros suspeitavam de um segredo ainda mais estranho: que Hess não surgira do nada, mas tinha boas razões para crer que encontraria amigos, incluindo alguns de altas posições no governo inglês.

Se Hitler sabia de algo acerca da missão de Hess, não demonstrava. Testemunhas disseram que do seu retiro das montanhas, onde reunira seus principais auxiliares para administrar a crise, o Führer parecia estar sofrendo muito, numa conjuntura de grande confusão. O chefe do Estado-Maior, General Franz Halder, escreveu em seu diário: "Hitler foi pego completamente de surpresa".

Quando ficou claro que Hess estava na mão dos ingleses, Berlim logo emitiu uma série de comunicados na imprensa lamentando "as alucinações de Hess" e garantindo ao mundo todo que estas não teriam qualquer efeito sobre a guerra.

Hitler ordenou a prisão de várias pessoas próximas a Hess, incluindo o sub-camareiro do Führer, Karlheinz Pintch, e seu amigo e conselheiro não-oficial, Albrecht Haushofer. Este admitiu à Gestapo que havia conversado com Hess sobre o interesse mútuo em fazer a paz com a Inglaterra, e a maioria dos historiadores acredita que foi ele quem inculcou em Hess a idéia de empreender aquela missão de paz. Haushofer também reconheceu que havia conversado com Hess sobre seus numerosos amigos ingleses, inclusive o duque de Hamilton.

Foram presos também vários astrólogos e videntes por toda a Alemanha. Segundo os comunicados da imprensa nazista, o distúrbio mental de Hess pode tê-lo deixado vulnerável à influência destes adivinhos.

É difícil dizer quanto esse rebuliço foi real e o quanto foi apenas um espetáculo para o público. Os nazistas eram mestres da propaganda, e o caso Hess exigiu todo o seu talento. Para os alemães, enviar, em plena Batalha da Inglaterra, um emissário de paz àquele país - e ainda mais alguém de alto nível, como Hess - decerto seria interpretado como sinal de fraqueza. Estava claro, portanto, para Hitler, que era crucial se distanciar de Hess.

Para algumas testemunhas, como Pintsch, Hitler estava representando, pois sabia muito mais acerca da missão do que aparentava. Tanto a esposa de Haushofer quanto a de Hess, Ilse, disseram ter a impressão de que Hess discutira com Hitler a idéia geral de uma missão de paz. Ambas, porém, achavam que Hitler não tinha conhecimento de detalhe algum. Outros recordaram, mais tarde, que em 5 de maio houve um encontro entre Hitler e Hess, no qual ambos levantaram a voz, exaltados. Talvez isso tenha ocorrido quando Hess contava seu plano a Hitler.

Entre os que nunca engoliram a versão oficial, estava Stalin. Apesar do pacto de não-agressão, assinado em 39, o dirigente soviético não confiava em Hitler. Quando as tropas alemãs invadiram a Rússia, em junho - apenas um mês depois do vôo de Hess - Stalin viu nisso a prova de que tinha razão.

Acreditava que Hess devia fazer parte de uma conspiração anglo-alemã para dar um fim à Batalha da Inglaterra e juntar forças para destruir os bolcheviques.

Stalin nunca renunciou às suas suspeitas. Segundo Churchill, em sua História da Segunda Guerra Mundial, escrito em 1950, Stalin o inquiriu acerca de Hess em 44, durante o encontro que tiveram em Moscou. Churchill repetiu a versão oficial: Hess era um "caso clínico", cuja escapada não tinha nada a ver com a marcha dos acontecimentos. Stalin não acreditou, Churchill, irritado, insistiu que havia exposto os fatos como os conhecia, e esperava que assim fossem aceitos. Stalin respondeu: "Há muita coisa acontecendo aqui mesmo na Rússia que nosso serviço secreto nem sempre me conta". O significado dessa frase era claro: no complô de Hess estariam envolvidos não apenas alemães, mas também espiões ingleses.

Quando a URSS se desmantelou e foram abertos muitos arquivos da KGB, os historiadores ocidentais puderam, pela primeira vez, ter noção do tipo de informações que causavam as suspeitas de Stalin. Em 1991 o historiador inglês John Costelo publicou os resultados de seus exames dos arquivos da KGB sobre Hess. A conclusão de Costello foi que Stalin tinha razão.

Os arquivos continham o relatório de um agente soviético que assim falava do vôo de Hess: "Não foi o ato de um louco, mas sim a realização de uma conspiração secreta da liderança nazista a fim de fazer a paz com a Inglaterra antes de entrar em guerra com a Rússia". Outro agente começa dizendo explicitamente: "A história que circula, segundo a qual Hess chegou inesperadamente na Grã-Bretanha, não é correta".

De acordo com os espiões soviéticos, Hess se correspondeu durante muito tempo com o duque de Hamilton - embora este não soubesse. Parece que os espiões ingleses interceptaram todas as cartas de Hess para Hamilton. Eles enviaram respostas em nome de Hamilton, incentivando Hess a vir. Foi tudo um truque que os ingleses aplicaram ao vice-Führer, sem que este suspeitasse de nada.

Costello encontrou teorias semelhantes num arquivo do Serviço de Informações americano, datado de 1941 e aberto ao público em 1989. Na verdade, os relatórios soviéticos e americanos eram tão parecidos que Costello chegou à conclusão que deviam ter a mesma fonte. Ambos, por exemplo, citam o mesmo gracejo de um médico que examinara o piloto alemão logo após a captura. Quando o piloto se identificou como Rudolf Hess, o médico respondeu: "No hospital também temos um paciente que jura que é o Rei Salomão".

Para Costello, essa nova evidência desfez o mito da heróica Inglaterra suportando bravamente as investidas nazistas. Em lugar disso, o governo inglês aparece como profundamente ambivalente em relação à guerra. Havia um importante "partido da paz" trabalhando ativamente para substituir Churchill por outro primeiro-ministro, disposto a apaziguar Hitler. Os opositores de Churchill tinham pouca esperança de que a Grã-bretanha pudesse derrotar a Alemanha. Ainda faltavam meses para Pearl Harbor, e com a isolacionista política americana fazendo forte oposição à entrada na guerra, a única certeza era de que os ingleses continuariam a lutar sozinhos, perdendo vidas e bens. Para Costello, não fazia sentido que Hess, por mais fanático, ingênuo ou louco que fosse, se atirasse de pára-quedas sem ter bons motivos para crer que o Duque de Hamilton estaria esperando para encontrá-lo.

Outros, em especial o historiador britânico Peter Padfield, acham convincente a hipóteses de que os ingleses atraíram Hess à Inglaterra; mas consideram que essa foi provavelmente uma operação do Serviço Secreto, e não um complô anti-Churchill. Assim como Stalin, Padfield suspeitava que a missão de Hess fazia parte de uma campanha britânica planejada para convencer Hitler a abandonar a batalha da Inglaterra e concentrar suas forças contra a Rússia. Padfield especulava que também Hitler tinha suas razões para enviar seu vice à Inglaterra. Hitler pode ter calculado que se a missão de paz falhasse, Stalin acreditaria que isso era sinal que a Batalha da Inglaterra continuaria. Assim, ele teria chance de pegar os soviéticos de surpresa.

Por essa teoria, Hess seria um joguete tanto nas mãos de Churchill quanto nas de Hitler. Churchill esperava persuadir Hitler a marchar para o Leste, em direção à Rússia, enquanto Hitler esperava convencer Stalin de que iria arremeter em direção ao Ocidente.

Embora seus livros sejam atraentes, nem Costello nem Padfield conseguiram mudar o consenso sobre a missão de Hess. Isso por uma boa razão: o fato de os espiões soviéticos e americanos concordarem sobre algum fato não significa que esse fato seja verídico. É mais provável que ambos os lados tenham colhido suas informações nas mesmas fontes - e essas fontes estavam erradas. A história completa deve vir à tona em 2017, quando todos os documentos do governo britânicos sobre Hess serão revelados.

Entretanto, segundo arquivos já abertos do Serviço Secreto Britânico é certo que o amigo de Hess, Haushofer (embora não o próprio Hess) esteve em contato com o Duque de Hamilton. Algumas das cartas de Haushofer indicam que uma estreita relação entre este e Hamilton - estreita a ponto de sugerir a Costello conotações homossexuais.

Em setembro de 1940 Haushofer escreveu a Hamilton convidando os "amigos em altos postos" a "achar significado no fato de que posso lhe perguntar se você teria tempo para uma conversa". É claro que Haushofer, provavelmente com o conhecimento de Hess, estava sondando as possibilidades de entabular conversações de paz.

Essa carta de Haushofer, porém, nunca chegou às mãos de Hamilton. Foi interceptada pelo Serviço Secreto Britânico, que a guardou durante cinco meses. Não se sabe bem o motivo disto - talvez por Churchill já ter declarado que as conversações de paz estavam fora de questão. Ou talvez o serviço secreto tenha respondido em nome de Hamilton, com o objetivo de atrair Haushofer, mas na verdade apanhando Hess na ratoeira.

Qualquer que tenha sido a isca, está claro que o vice do Führer estava ansioso por mordê-la. Hess sabia da admiração que Hitler nutria pela Inglaterra, mesmo a contragosto, e de seu ódio incontrolável pela Rússia bolchevique. Não importa se Hess já discutira explicitamente esse assunto com Hitler; ele sabia que uma missão de paz bem sucedida com certeza agradaria o Führer. Não só isso; daria a Hess a oportunidade de reaver parte do poder que lhe escapava. Ele já fora o Número Dois de Hitler nos primeiros tempos do nazismo, mas por volta de 1941 essa influência ia declinando. Sofria com as manobras de vários rivais políticos, como Martin Borman, e pelo fato de que Hitler estava absorvido por assuntos militares.

A melhor explicação para os motivos de Hess deve ser a sugerida por Churchill em 1950. Depois de descrever o ciúme que Hess nutria pelos generais, que aos poucos o eclipsavam, imaginou o que devia se passar pela sua cabeça: "Os generais têm seu papel a desempenhar. Mas eu, Rudolf Hess, vou superar todos eles, numa façanha de extrema dedicação, e dar ao meu Führer um tesouro maior do que eles todos juntos dariam. Vou à Inglaterra e conseguirei a paz."

O plano de paz de Hess estava fadado ao fracasso. Motivado pela ambição e lealdade, e talvez iludido pelo Serviço Secreto britânico, não conseguiu perceber que em 1941 a época de tentar fazer a paz já tinha passado. Não só Churchill, mas também todo o povo britânico estava agora firmemente empenhado na guerra.

Churchill afirmou que a missão de Hess foi totalmente irrelevante para o curso da guerra. Isso ficou claro para ele desde o momento em que soube da aterrissagem de Hess na Grã-bretanha. Depois do encontro de Hess com o Duque de Hamilton, este se apressou a apresentar um relatório ao primeiro ministro. Churchill, que planejava ir ao cinema naquela noite, ouviu impaciente e respondeu: "Bem, com Hess ou sem Hess, vou assistir aos Irmãos Marx."


Enviado por:
Guilherme Andriani Deatlhadder

Um comentário:

Portal Segunda Guerra disse...

Muito intrigante essa questão.